domingo, 6 de março de 2011

Série "Juntando os Pedaços" - Uma aula com o IET

O teatro enquanto experiência vivida do lado de quem faz ainda era algo muito recente em minha vida. Em 1997, eu, então estudante colegial, participava do Grupo de Teatro Horae, do Colégio Marista de Maceió, mas isso é outra história. O que quero dizer é que naquele momento tudo era muito novo para mim. Eu não havia frequentado o teatro quando criança, pelo menos não me lembro de nenhuma outra situação tão marcante antes de entrar para o Horae; que já havia sido coordenado por Cláudio Barros e por René Guerra, e estava sob a orientação de Flávio Rabelo - um havia sido aluno do anterior e isso permitiu a continuidade de um mesmo pensamento e de uma mesma força para o grupo por um bom tempo.

As aulas de teatro eram aguardadas com ansiedade e vividas com plenitude. Algo naquela sala, naquela turma, naquele professor e, obviamente, na idade em que eu me encontrava, gerava uma energia extremamente prazerosa e criativa, onde pensamentos, ideias, jogos, brincadeiras e cenas alimentaram um aprendizado inesquecível.

Numa dessas aulas, que aconteciam todas segundas, quartas e sextas, das 18h às 21h, na sala de dança, o Flávio resolveu nos levar para um lugar que eu jamais imaginei que existisse, para ver um espetáculo que certamente não era recomendado para boa parte da turma. Mas isso eu só percebi um bom tempo depois, o que também nunca foi um problema para mim.

Foi meu primeiro contato com a cena alagoana. O espetáculo chamava-se "Expunk" e era uma espécie de colagem de textos do Caio Fernando Abreu e talvez de outros autores também, numa produção da Cia. Infinito Enquanto Truque (IET), sob a direção de Lael Correa. Eu nunca esqueci aquele dia. Não tinha a menor ideia da existência do grupo nem tão pouco sabia quem era Lael Correa. Isso me permitiu assistir ao espetáculo completamente desarmado e sem qualquer referência.

Bom, a peça acontecia no Espaço Camaleão (se não me engano era esse o nome), onde eles ensaiavam e apresentavam seus espetáculos, como uma espécie de sede, o que ao meu ver representava um diferencial em relação aos demais grupos atuantes da época. O espaço ficava no bairro do poço, na rua paralela à Igreja do Bonfim.

Como o espaço estava organizado para a apresentação e isso já faz um bom tempo não posso descrevê-lo com precisão, mas me recordo que ele trazia uma cara meio garagem, meio quintal. O público ficava espalhado pelo espaço, pois as cenas aconteciam em pontos diferentes. Lembro que me sentei num sofá velho, acho que da cor marrom...

Vale dizer que embora eu nunca tenha esquecido esse dia, já não guardo tantos detalhes e o que se segue a partir de então é fruto de certo esforço para descrever as imagens com base nas sensações que carrego comigo daquela experiência. 

Da cenografia eu me recordo de penumbra e sujeira, afinal o texto tratava de personagens marginais, sofridos. No elenco estavam com certeza o Marcos Wanderley (o mesmo do espetáculo "Insônia", da Cia. Teatro da Meia-Noite), a Monica Dogat, que eu acredito não mora mais em Maceió e o próprio Lael Correa. Suspeito de mais um ou dois atores, porém a mente falha na tentativa de encontrar rostos e nomes.

Sentado no sofá eu via com mais clareza as cenas do Marcos e ele falava, posso estar errado, trechos do "Além do Ponto", do C. F. Abreu. Um homem que anda no meio da chuva em direção à casa de um desconhecido que ele encontrou num bar certo dia, o amor. Ou talvez fosse uma adaptação de "O Marinheiro", também do Caio. Enfim.

Não havia linearidade na dramaturgia, os personagens falavam e falavam em tempos alternados e para mim, com a pouca vivência de teatro, aquilo soou estranho e confuso. Lembro que saí com dor de cabeça da apresentação e muito impressionado com a atuação do Marcos, pois a figura dele falando e olhando para o público permaneceu por alguns dias ainda na minha cabeça.

Acho que depois da apresentação rolou um bate papo com o grupo, mas não posso afirmar isso com certeza. No entanto me lembro do Flávio comentando posteriormente da sua intenção em nos levar ao espetáculo, que era de nos possibilitar conhecer outras formas de teatro, conhecer uma parte da classe artística e, logicamente, o Lael que já naquela época era um representante de grande importância para o teatro alagoano, porque produzia constantemente, assistia aos espetáculos dos outros grupos, criticava, questionava, brigava por espaço, se articulava legitimamente em prol do seu trabalho...

Foi assim que conheci o Lael, o Infinito, o Marcos, a Mônica... E esse dia abriu uma porta para ver os outros grupos, porque de repente me lembro de estar certo domingo no Teatro Deodoro assistindo "Flicts", da Cia. Pão e Circo, que já nem existe mais; e já um tempo depois flagrando um ensaio de "Toda Garça Tem um Drama que é um Graça", da finada Brasilarte... E assim por diante!

Eis o primeiro tapa que o teatro me deu. Esse texto é uma celebração ao que ainda guardo na memória sobre minha história no teatro, ou o início dela. É uma homenagem ao Flávio que sempre será um professor, ao Lael por quem tenho uma sincera admiração e a todas as demais pessoas, igualmente especiais, que o teatro me permitiu encontrar.

Como foi dito na primeira postagem desse blog, a intenção aqui é alimentar, comungar, compartilhar e garantir que a história do teatro alagoano não se perca nem se limite a poucos e pequenos núcleos. Por isso escrevo esse pedaço da minha história - o primeiro de muitos que pretendo escrever - e convido a quem tiver interesse a compartilhar um pedaço da sua história também. Como você começou a fazer teatro? Quando se viu no meio da classe teatral alagoana? Qual a primeira peça que você assistiu de um grupo local? O que você guarda desse dia?... Se você tem interesse em ter sua história postada aqui, por favor nos envie-a para o e-mail ciadochapeu@gmail.com e também para o meu pessoal: alsam_t@hotmail.com .

Um forte abraço e até a próxima.

Thiago Sampaio